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domingo, 7 de agosto de 2011

Gonçalo M. Tavares - Aprender a Rezar na Era da Técnica

Quando se olha para o currículo de Gonçalo M. Tavares não parece que estamos perante um escritor que conta apenas com quarenta primaveras. Já venceu o Prémio LER/Millennium bcp assim como o Prémio José Saramago. Em terras de Vera Cruz conquistou o Premio PT e este ano, venceu com Aprender a Rezar na Era da Técnica nada mais nada menos que o Prémio Médicis (prémio para melhor livro estrangeiro publicado em França). É apontado como um dos mais fortes candidatos entre os autores de língua portuguesa a conquistar o Nobel da Literatura.
Dividido em três partes; Força, Doença e Morte, a história conta a vida de Lenz Buchumann. Ele é um médico prestigiadíssimo e os seus pacientes nutrem por ele uma grande admiração contudo fora do consultório era uma pessoa bastante diferente, (“ O prazer que sentia em humilhar prostitutas, mulheres fracas ou adolescentes, pedintes que lhe batiam à porta ou a própria mulher, não podia ser mais antagónico com a aura que alguns familiares de doentes por si operados e salvos lhe colocavam em volta”). Após a morte do seu irmão, por quem não sentia grande simpatia, decide entrar no partido, ao entrar para a política entra para o “mundo dos grandes acontecimentos e das grandes doenças”, dois messe depois descobre que “já era conhecido por mais pessoas do que antes fora em mais de quinze anos na função de médico”. Aos poucos, torna-se num dos homens mais importantes da cidade, chegando a exercer a função de vice-presidente do partido. Só que uma grave doença acaba com todos os seus projectos.
Desde os tempos remotos da infância onde o pai o obrigava a ir para a cama com uma empregada, até ao tempo em que era medico e que para dar comida a um pedinte o obrigava a ver a fazer sexo com a sua mulher, aos tempos do partido onde via o mundo de um ponto de vista mais alto, chegando mesmo a executar atentados para poder ganhar eleições, ou até ao tempo da sua decadência em que não tinha nenhum poder de decisão, somos sempre confrontados com outras histórias que são tão ou mais importantes que a principal. Quanto a mim este é um livro que no que diz respeito à qualidade está ao nível do Memorial do Convento de Saramago.
            Boa Leitura…

12 comentários:

  1. Viva, Tiago Franco. Prazer em voltar a encontrá-lo.
    A sua bitola de apreciação da ficção é bem mais benévola do que a minha. Um romance pode obviamente conter uma reflexão sobre o comportamento humano, e grandes romances da literatura universal, a começar pela nossa, propiciam-nos o conhecimento das sociedades ou dos grupos sociais que retratam. Mas Os Maias não seriam o magnífico fresco da sociedade portuguesa dos finais do século XIX se Eça se tivesse limitado a urdir uma tramazita com condessas, banqueiros, diplomatas, dândis e amores diversos como excipiente para fazer passar a sua reflexão sobre a choldra nacional; A Queda de Um Anjo não seria o delicioso romance que conhecemos se Camilo tivesse apenas querido “exemplificar” a sua visão sobre a ignara classe política do seu tempo, e assim sucessivamente. Mesmo os escritores politicamente mais comprometidos, como era o caso dos neo-realistas, ou, mais recentemente, o nosso Nobel, todos eles têm a sua visão do comportamento humano e um pensamento estruturado sobre os processos sociais, mas essa visão e esse pensamento aparecem sempre transfigurados pelos artifícios da literatura, sem o que poderiam produzir ensaios ou obras de divulgação doutrinária, mas nunca literatura. No Levantado do Chão do Saramago, como nos Avieiros de Redol, há reflexão, há pensamento social e político, mas tudo isso está acondicionado num discurso elaborado estilisticamente e condimentado com muita emoção, o que dá àqueles livros o poder encantatório próprio da dimensão romanesca. Ora, é precisamente isto que me parece faltar no romance de Tavares, tão destituído de artifícios literários que a sua leitura se torna um exercício árduo de apreensão e de descodificação de conceitos que constituem a matéria-prima de ciências humanas como a sociologia.
    Quanto à actualidade do livro, é claro que a sua acção decorre numa época facilmente identificável com a ascensão do nazi-fascismo. Os acontecimentos dos últimos dias em Inglaterra inserem-se num quadro caracterizado por uma crise global e sistémica do capitalismo. Se, no contexto destes acontecimentos, a violência mediatizada é a que praticam massas de jovens desocupados, desempregados, sem perspectivas de futuro nem motivações ideológicas estruturadas, no caso da construção da sociedade nazi-fascista era a violência institucional do Estado, ainda que camuflada, que sobressaía. Mas é verdade que, num caso como no outro, estão em causa mecanismos de reacção social ao funcionamento do Estado, nas suas vertentes política e económica (a tal “mútua vantagem económica” – equilíbrio instável que desapareceu). A classe dominante inglesa tinha ainda vantagem em manter este exército de deserdados naquela situação, mas esses deserdados parecem já não ver benefício em mantê-la. Como falta, contudo, ali uma orientação política coerente e uma organização revolucionária, tudo vai acabar com umas centenas largas de detenções e condenações, para tranquilidade de conservadores, de trabalhistas e de sua majestade. Até nova explosão.
    Saudações.

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  2. Bom tarde Fernando,

    Concordo consigo relativamente ao facto de o livro ser desprovido de uma verdadeira história, ali não há a reconstituição de como foi construído o memorial do convento, como em Saramago, mas cada capitulo tem uma a sua própria historia, e cada um deles podia servir de base para uma tese; é assim no funeral do irmão, onde a mulher de Lenz chora desenfreadamente quando, na realidade, mal se dava com o cunhado. É assim quanto tenta cuspir na cara do padre, mas as poucas forças que tem não o permitem; ou ainda quando convida o maluco para sua casa. Não, não há uma história riquíssima que nos é contada do princípio ao fim, há, na realidade varias histórias curtas, em que o autor aproveita para questionar o comportamento humano. Julgo que é uma grande inovação na nossa literatura e quanto a mim o autor sabe aproveitar muito bem esse facto.
    Não concordo relativamente há data que indica, período entre as duas Grandes Guerras, como data para a história se desenrolar. Lenz Buchumann há em todas as épocas e em todos os países, com a diferença de uns chegarem ao poder (por exemplo: Hitler, Mussolini, Pinochet ou mais recentemente Kadafi) e outros, felizmente, não conseguem a sua ascensão. Também nas empresas e nas famílias existem “Lenz Buchumann”, com a grande diferença de não serem tão mediáticos. Confesso, tendo em conta a actual situação, ter receio de aparecer por cá alguém com um discurso muito bonito, a dizer que faz e que acontece e nós, descrentes nesta actual democracia, cometamos o erro de eleger essa pessoa.

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  3. Olá, Tiago.
    Há, de facto, uma sucessão de micro-episódios, com alguma autonomia relativamente ao todo, mas também, há que reconhecê-lo, unidade narrativa, quer no tocante à personagem, quer no tocante à acção principal (formação da personalidade e modelação do comportamento), ao tempo e ao espaço.
    A sua perspectiva alegórica do romance (Lenz como arquétipo da crueldade dos ditadores) parece-me totalmente legítima e não é sequer prejudicada pela existência, no texto, de índices e informantes (embora vagos) que nos remetem para um quadro histórico bem conhecido.
    Quanto ao seu (fundado) receio, partilho-o. Não sei se conhece os sítios alternativos http://resistir.info/ e http://odiario.info/ . Vale a pena visitá-los, para se ter uma visão da actualidade que não se rege pelas normas dos poderosos deste mundo. Relativamente ao que se tem passado na Líbia e na Síria, por exemplo, e apesar de tudo o que pode haver de negativo no comportamento dos dirigentes desses países, talvez a verdade não seja exactamente aquela que os media nos impingem diariamente.
    Saudações.

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  4. no que diz respeito "à" qualidade!!! não é "há" qualidade que é do verbo haver.

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    1. A escrita "no que diz respeito à qualidade", está correta. O sentido que ele quis dá ao comentário não foi "existe qualidade" e sim " Quanto a mim este é um livro que, no que diz respeito à qualidade, está ao nível do Memorial do Convento de Saramago.

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  5. "É a escrever mal que se aprende a escrever bem."
    Samuel Johnson

    Obrigado pela correcção.

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  6. Tiago

    Ainda não consegui comprar Memorial do Convento, está em falta nas livrarias. Um amigo acabou de me recomendar também... Quanto a este livro que você resenhou parece ótimo. Vou procura-lo.
    um abraço.

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  7. Olá Gisela,

    É curioso, por aquilo que tenho-me apercebido os brasileiros conhecem pouco o Memorial do Convento de Saramago, livros com Ensaio Sobre a Cegueira, Todos os Nomes ou Evangelho Segundo Jesus Cristo são muito mais lidos no vosso país.
    Quanto a mim, Aprender a Rezar na Era da Técnica é uma obra-prima. De certa forma, pode-se dizer que o livro não tem uma história muito interessante, tem micro-histórias e o livro vale sobretudo pelo que questiona
    Não quero fazer futurologia, mas acho que Gonçalo M. Tavares vai ser o próximo escritor a vencer o Premio PT aí no Brasil.

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  8. Oi Tiago, encontrei teu blog por acaso e num momento muito propício: estou tentando entender a nova literatura, tanto a brasileira quanto a portuguesa que agora nos tem chegado com mais facilidade. Me parece haver coisas muito boas, daquelas que ficam, mas há muitas que não passam de truques. Nem sempre os prêmios literários são garantia de boa leitura. Não percorri ainda todo o teu blog mas me parece que não dás limites de tempo para os livros, ou seja, não falas apenas e novos autores. Há desde o Eça e Monteiro Lobato até o Gonçalo Tavares. No entanto, não encontrei nada sobre Machado de Assis, Guimarães Rosa e Clarice Lispector, não falas sobre eles ou apenas não os encontrei nesse primeiro contato?

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  9. Olá Ana,

    Acho que para perceber a nova literatura temos que conhecer o que já foi feito anteriormente, só dessa forma podemos perceber melhor as obras.
    No entanto, sou bastante novo, um leitor com 27 anos é um leitor novo ;-) Dos três autores que fala, Machado de Assis, Guimarães Rosa e Clarice Lispector, nunca li nada, na verdade nunca lemos tudo aquilo que queremos.
    Concordo, nem sempre os prémios literários são sinónimos de qualidade, além disso existem autores que apenas escrevem um ou dois bons livros, os restantes são de fraca qualidade.
    Na minha opinião, os dois melhores autores de língua portuguesa vivos são Gonçalo M. Tavares e António Lobo Antunes, mas atenção são bastante diferentes, é fácil não gostar tanto de um quanto de outro.

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  10. Acabei de ler o Aprender a Rezar...e gostei imensamente.

    Gostaria mto de ouvir o autor falar de sua escolha dos nomes. Nao sao portugueses, sao o quê? Lembram nomes alemães ou judeus ou holandeses talvez? Os unicos nomes portugueses sao do louco Rafa e da mulher dele, que ele chama de prostituta, Maria. Entre os mtos temas, para mim, destacam-se o poder, o patriarcalismo e o risivel que eh tudo isso. No final, nem o nome do pai que ele venera (e odeia) ele se lembra. O que acham Tiago e Fernando? Agradeco, abs, Marilia

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  11. No final, não é só do nome do pai que não se lembra. Todo o poder que tinha já não tem, já não tem influencia na cidade, já não manda no partido, já não é ele que manda em casa, nem se quer consegue ter forças para cuspir na cara do padre.
    Na verdade a todos nós um dia irá acontecer o mesmo.

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